Diário I
Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.
Deixem, que vai apenas
Beber água de Sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.
Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora
Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai ser
Uma estrela no chão.
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sábado, 19 de junho de 2010
Sísifo
Diário XIII
Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
sexta-feira, 3 de agosto de 2007
domingo, 13 de maio de 2007
À lua
Lua passada de moda,
Velha roda
Da fortuna dos poetas!
Dessa fortuna inconstante
Que tem o quarto minguante
No caixilho das selectas.
A vida já te não olha,
A terra já te não quer!
Desce luz a cada folha,
Mas é do sol, se ta der...
Musa fria!
Solidão de menopausa...
Poesia
Com rima e com melodia,
Mas sem causa!
Que importa o charco a brilhar,
Se é mentira?
Se a razão há-de acordar
O menestrel a sonhar
E a corda tonta da lira?
Velha lua...
Prostituta podre e nua
À porta de um bordel...
Muda as rugas da face,
Mas a velhice renasce
Do musgo da tua pele!
Bem sei que na fase nova
Podes ter um namorado...
Uma ilusão que te prova
Como a um fruto da renova
De um pomar que foi podado...
Remendos de mocidade.
Lume que acende e não dura.
Não regressa a virgindade
A quem, corrupto, a procura.
Mas tens ainda maneira
De te salvar, velha amiga:
É morrer numa fogueira
De ironia verdadeira
Que algum Poeta te diga...
Odes . Antologia Poética de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 83)
Velha roda
Da fortuna dos poetas!
Dessa fortuna inconstante
Que tem o quarto minguante
No caixilho das selectas.
A vida já te não olha,
A terra já te não quer!
Desce luz a cada folha,
Mas é do sol, se ta der...
Musa fria!
Solidão de menopausa...
Poesia
Com rima e com melodia,
Mas sem causa!
Que importa o charco a brilhar,
Se é mentira?
Se a razão há-de acordar
O menestrel a sonhar
E a corda tonta da lira?
Velha lua...
Prostituta podre e nua
À porta de um bordel...
Muda as rugas da face,
Mas a velhice renasce
Do musgo da tua pele!
Bem sei que na fase nova
Podes ter um namorado...
Uma ilusão que te prova
Como a um fruto da renova
De um pomar que foi podado...
Remendos de mocidade.
Lume que acende e não dura.
Não regressa a virgindade
A quem, corrupto, a procura.
Mas tens ainda maneira
De te salvar, velha amiga:
É morrer numa fogueira
De ironia verdadeira
Que algum Poeta te diga...
Odes . Antologia Poética de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 83)
quinta-feira, 12 de abril de 2007
À Água
Ninguém ouve a canção, mas o ribeiro canta!
Canta, porque um alegre deus o acompanha!
Quantos mais tombos, mais a voz levanta!
Canta, porque vem limpo da montanha!
Espelho do céu, é quanto mais partido
Que mais imagens tem da grande altura.
E quebra-se a cantar, enternecido
De regar a paisagem de frescura.
Água impoluta da nascente, És a pura poesia
Que se dá de presente
Às arestas da humana penedia...
Pela graça infantil da vossa mão
Odes . Poesia completa I, de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 220)
Canta, porque um alegre deus o acompanha!
Quantos mais tombos, mais a voz levanta!
Canta, porque vem limpo da montanha!
Espelho do céu, é quanto mais partido
Que mais imagens tem da grande altura.
E quebra-se a cantar, enternecido
De regar a paisagem de frescura.
Água impoluta da nascente, És a pura poesia
Que se dá de presente
Às arestas da humana penedia...
Pela graça infantil da vossa mão
Odes . Poesia completa I, de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 220)
sábado, 24 de março de 2007
Prisão
Canta dentro de mim a confiança
Da grande multidão silenciosa
Que me rodeia.
Move-se uma epopeia
Na rasa solidão do meu destino.
Como um búzio anódino
Que na praia ressoa
A pancada da onda que magoa
As penedias,
Assim eu tenho melodias
Emparedadas
No coração.
Pudesse a concha, como um fruto cheio
De fecundas doçuras desejadas,
Abrir-se no areal de meio a meio
E libertar as notas abafadas!
Miguel Torga, Antologia Poética, pág. 113
Da grande multidão silenciosa
Que me rodeia.
Move-se uma epopeia
Na rasa solidão do meu destino.
Como um búzio anódino
Que na praia ressoa
A pancada da onda que magoa
As penedias,
Assim eu tenho melodias
Emparedadas
No coração.
Pudesse a concha, como um fruto cheio
De fecundas doçuras desejadas,
Abrir-se no areal de meio a meio
E libertar as notas abafadas!
Miguel Torga, Antologia Poética, pág. 113
sexta-feira, 16 de março de 2007
Portugal
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que de dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço.
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado
Miguel Torga (16 de Dezembro de 1963), Antologia Poética, pág. 368
E torno mais real o rosto que de dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço.
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado
Miguel Torga (16 de Dezembro de 1963), Antologia Poética, pág. 368
quinta-feira, 8 de março de 2007
Cantilena da pedra
Sem musa que me inspire,
Canto como um pedreiro
Que, de forma singela,
Embala a sua pedra pela serra fora...
Upa! que lá vai ela!Upa! que vai agora!
A pedra penitente que eu arrasto
Tem o tamanho de uma vida humana.
E só nesta toada a movimento,
Embora o salmo já me saia rouco.
Upa! meu sofrimento!Upa! que falta pouco...
Miguel Torga (30 de Julho de 1968), Antologia Poética
Canto como um pedreiro
Que, de forma singela,
Embala a sua pedra pela serra fora...
Upa! que lá vai ela!Upa! que vai agora!
A pedra penitente que eu arrasto
Tem o tamanho de uma vida humana.
E só nesta toada a movimento,
Embora o salmo já me saia rouco.
Upa! meu sofrimento!Upa! que falta pouco...
Miguel Torga (30 de Julho de 1968), Antologia Poética
terça-feira, 27 de fevereiro de 2007
Livro de Horas
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
Instante
Estrada de Castelo Branco - Tomar, 30 de Setembro de 1941
A cena é muda e breve: Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve;
Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer; E a vida
Pára também, a ver.
Diário II . Antologia Poética de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 260)
A cena é muda e breve: Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve;
Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer; E a vida
Pára também, a ver.
Diário II . Antologia Poética de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 260)
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007
Dúvida
Coimbra, 15 de Agosto de 1941
Anoiteceu.
Aqui sentado, pensava
Na minha vida;
Nesta tristeza arrastada
Que ninguém quer alegrar;
Nesta fogueira cercada
Duma invernia polar.
E a mim mesmo perguntava
Se dessa vida ficava
Pelo menos uma baba
Igual à do caracol.
Uma excreção que brilhasse
Quando nela reparasse
A luz do sol
Diário I . Antologia Poética de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 256)
Anoiteceu.
Aqui sentado, pensava
Na minha vida;
Nesta tristeza arrastada
Que ninguém quer alegrar;
Nesta fogueira cercada
Duma invernia polar.
E a mim mesmo perguntava
Se dessa vida ficava
Pelo menos uma baba
Igual à do caracol.
Uma excreção que brilhasse
Quando nela reparasse
A luz do sol
Diário I . Antologia Poética de Miguel Torga . Círculo de Leitores – (pág. 256)
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